Grupo de policiais de esquerda vai se filiar ao PSOL

Desmilitarização da segurança pública, legalização das drogas e construção do policial como trabalhador – e não como soldado. Essas são as três propostas defendidas por um grupo de policiais civis e militares como fundamentais para o debate de uma nova política de segurança, que vá contra o senso comum e reconheça a importância da garantia dos direitos humanos na construção de uma sociedade democrática.

Autointitulado “Policiais Antifascismo”, o grupo foi criado em 2015 na internet pelo delegado Orlando Zaccone, do Rio de Janeiro, e envolve agentes penitenciários, guardas municipais e bombeiros de todo o Brasil. No Rio, onde a polícia é a que mais mata e a que mais morre, parte do grupo prepara-se para se filiar ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

“A esquerda perdeu muito tempo ao não debater segurança pública, sempre deixou essa discussão para a direita”, diz o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ), que intermediou a chegada do grupo ao partido.

“A esquerda sempre entendeu que esse é um debate autoritário, repressor, mas na verdade não é. Qual é o nosso projeto de segurança pública? Que relação existe entre democracia e segurança? Qual é o modelo de polícia que a esquerda defende? Nós temos que ter respostas para isso”, continua Freixo.

Zaccone já confirmou sua ida para o PSOL, e a previsão é que cerca de dez policiais participem de um evento de filiação coletiva em setembro. Segundo o delegado, que hoje diz não ter interesse em lançar candidatura própria, a ideia é criar um “setorial” dentro do partido para discutir um projeto de segurança que rejeite a ideia de controle e extermínio.

“Para efetivar, na prática, as políticas que a gente defende, é preciso ter um partido. Nós observamos que no PSOL haveria espaço para crescer no debate institucional, mas nós pretendemos comunicar as nossas pautas aos policiais e à sociedade de uma forma muito mais ampla que a questão partidária”, afirma Zaccone, lembrando que já existem policiais filiados ao PSOL e a outros partidos do campo progressista.

Freixo, por sua vez, diz torcer por uma candidatura. “Seria muito bom se o grupo lançasse um candidato a deputado estadual, por exemplo, já que a lógica deles não é federal, é estadual. Seria ótimo se o PSOL tivesse um policial civil candidato a deputado defendendo o programa do partido, defendendo uma perspectiva de segurança pela esquerda.”

A greve da Polícia Civil do Rio, que durou mais de dois meses e foi encerrada no início de abril, pode ser considerada um ponto de virada, um momento no qual o agente de segurança mudou de lado e passou a se identificar com a luta de outras classes. Essa é a opinião de Zaccone e de outros integrantes do grupo, como o inspetor Hildebrando Saraiva, há 15 anos na Polícia Civil.

“Os policiais perceberam que estão muito mais próximo dos trabalhadores do que dos governantes. Nesses dois meses de greve, fomos reprimidos junto de todos os outros, recebemos bomba de gás e tivemos que correr da polícia por estar reivindicando o pagamento dos salários. Acho que algumas pessoas se inflamaram. Foi o que aconteceu comigo”, afirma Saraiva.

Embora tenha participado do movimento estudantil e defenda há tempos os ideais de desmilitarização e legalização das drogas, esta é a primeira vez que Saraiva se filia a um partido político. “A gente escuta cada analfabetismo político de autoridades nacionais e coordenadores de programas que a gente precisa interferir nesse debate.”

Exercito
Mais uma vez o Rio solicita uma intervenção das Forças Armadas (Foto: Luiz Souza/AFP)

Ao mesmo tempo em que o Rio enfrenta uma grave crise política e fiscal, com impactos diretos na política de segurança – como o desmonte do projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e o Exército nas ruas –, figuras como o deputado federal Jair Bolsonaro, famoso por suas declarações racistas, homofóbicas e misóginas, têm ganhado cada vez mais projeção, inclusive no interior da própria polícia. É o triunfo do discurso ódio.

Bolsonaro, que já serviu ao Exército, vai trocar de partido para concorrer à Presidência da República em 2018. Sua saída do Partido Social Cristão (PSC) e filiação ao Partido Ecológico Nacional (PEN), que terá o nome alterado para Patriota, deve ser concretizada nesta quinta-feira 10. De acordo com a última pesquisa Datafolha sobre as eleições presidenciais de 2018, Bolsonaro tem 16% das intenções de voto e está tecnicamente empatado no segundo lugar com Marina Silva (Rede), que tem 15%. A dupla perde para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que aparece com 30%.

Se os agentes com posições ideológicas à direita podem expressar livremente suas opiniões, o mesmo nem sempre acontece com aqueles que se definem progressistas. Segundo Zaccone, embora exista um discurso institucional de defesa dos direitos humanos dentro da corporação, na prática isso não se concretiza e aquele que pensa diferente acaba sendo visto como “menos policial”.

“O momento político permite que o Bolsonaro seja aclamado na posse de policiais civis, mas mantém policiais de esquerda no anonimato”, critica.

Inspetor na Polícia Civil há 14 anos, Bruno Vieira se filiou ao PSOL em 2004, com a fundação do partido, e sempre militou por um novo modelo de segurança pública. A exposição de um grupo de policiais comprometidos com os direitos humanos dá fôlego ao debate, mas o inspetor entende que a mudança precisa estar também na sociedade.

“Nós estamos vivendo em um ambiente muito autoritário, intolerante, no qual a violência está sendo naturalizada, e isso talvez não favoreça a construção de uma polícia democrática. Por isso é tão importante debater na sociedade a ideia de que é possível agir de forma diferente e mostrar que nem todo policial respalda esse pensamento conservador”, afirma Vieira.

Além de se apropriar do debate, a esquerda, conclui Zaccone, precisa fazer uma autocrítica sobre qual foi a sua contribuição para a militarização da segurança pública. “Até que ponto a ideia de governabilidade, que inclui o sucesso eleitoral, não fez a esquerda ficar a reboque do discurso midiático, que pede mais punição, pede o Exército nas ruas e pede intervenção militar nas favelas? Esse é um ponto de vista meu, não posso falar em nome do grupo, mas é uma discussão que precisamos fazer.”

Com Carta Capital

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