Argentina: BAIXO NÍVEL DO RIO PARANÁ PRESSIONA PRODUÇÃO DE SOJA NA ARGENTINA

Uma das mais importantes hidrovias agroexportadoras do mundo, cuja nascente está no Brasil, registra níveis bem abaixo de sua média histórica.

O Paraná, um dos rios de planície mais importantes do mundo, com quase cinco mil quilômetros de extensão, tem cada vez menos água. E especialistas buscam as causas por trás deste fenômeno incomum, que já compromete funções biológicas e produtivas do rio.

A menor precipitação na região fez com que o fluxo d’água caísse para menos da metade das médias históricas. Isso afeta sua navegabilidade e traz preocupações à agroexportação, que embarca grande parte das colheitas de grãos da Argentina, sul do Brasil e Paraguai através dos portos de Santa Fé.

O baixo nível d’água, considerado o mais grave em 50 anos, já custou US$ 244 milhões para a exportação de grãos em 2020, uma vez que os navios não puderam operar, de acordo com a Bolsa de Valores de Rosário, da Argentina. Isto ocorre em meio a um aumento generalizado do preço das commodities agrícolas a nível internacional.

Não há certeza se os baixos níveis d’água são temporários ou o início de um novo ciclo, como ocorreu no século passado. Também não há unanimidade sobre as causas, embora especialistas apontem como fatores o desmatamento, as represas no sul do Brasil e os efeitos da mudança climática.

Para tornar a situação ainda mais complicada, a queda coincide com o fim da concessão para a dragagem e o balizamento do rio, serviços necessários para sua navegabilidade. A concessão está há 25 anos nas mãos da belga Jan de Nul, que agora terá que competir com outras empresas ao redor do mundo para mantê-la.

PARANÁ: NOVO RIO OU CICLO HISTÓRICO?

A importância do Paraná vai muito além de seu canal principal, pois trata-se de um sistema fluvial com uma vasta rede de canais secundários, vales e planícies de inundação que sofrem mudanças com ciclos de cheias e baixas, típicos desse ecossistema.

“É um gigante cuja extensa bacia cobre 2,6 milhões de quilômetros quadrados, assim como a superfície da Argentina continental”, disse Carlos Ramonell, geólogo especializado na evolução da paisagem fluvial da Universidade Nacional do Litoral.

Sua cor marrom característica se deve ao sedimento que carrega dos rios do noroeste da Argentina, como o Bermejo. Além deste fluxo sólido, há um fluxo líquido impressionante de cerca de 17 mil metros cúbicos por segundo em média, fornecido principalmente pela parte superior da bacia localizada no Brasil e também pelo rio Paraguai.

Esse fluxo de chuvas do Alto Paraná e do Paraguai se reduziu a partir da primavera do hemisfério sul em 2019 em comparação com a média histórica, explicou Ramonell.

O baixo nível d’água atual é fora do comum? O geólogo lembrou que, nos registros do século 20, há variações importantes. Enquanto entre 1930 e 1970 houve um período de fluxos “acentuadamente” menores, de 1970 a 2000 eles permaneceram altos.

Em relação às causas que explicam a queda acentuada dos últimos dois anos, Ramonell disse que o papel da mudança climática “gera mais dúvidas do que certezas”.

“Parece-me exagerado ligar esta baixa à mudança climática antropogênica. Acho que isto poderia deslocar outras questões que têm um impacto superlativo no sistema fluvial, tais como desmatamento, canalização e barragens”, acrescentou o especialista.

Entretanto, Juan Borus, pesquisador do Instituto Nacional da Água, diz que as causas “são de uma ordem climática clara”. Ele diz que o padrão de precipitação começou a se alterar em meados de 2019 e desde então os períodos de escassez de chuva se tornaram mais frequentes.

“Ainda não há fim à vista para a seca ou para essa baixa d’água. É provável que o fenômeno da La Niña volte, e sabemos que isso não favorece a produção de chuvas em nossa região, muito menos que as chuvas serão suficientes para garantir uma recuperação significativa”, diz Borus.

COMÉRCIO DE GRÃOS NO PARANÁ

O menor fluxo d’água do Paraná afeta a navegação, torna as manobras portuárias mais difíceis e reduz a capacidade de carga dos grandes navios, o que se traduz em custos mais altos.

Gustavo Idígoras, presidente da Câmara da Indústria do Petróleo da Argentina (Ciara) disse estar “muito preocupado” com a baixa do rio e listou algumas das dificuldades colocadas à indústria: “tem efeitos negativos na navegabilidade, o que gera atrasos, navios que ficam presos e paralisados”.

Idígoras observou que a cada ano cerca de 4.500 grandes navios entram e saem do Rio Paraná “retirando” a maior parte da produção agrícola argentina, razão pela qual o baixo fluxo “põe em risco o fluxo das exportações”.

Isto se soma a outros setores afetados, como o energético, já que 70% do gás natural importado pelo país chega através da hidrovia. O mesmo acontece com as indústrias automotiva e siderúrgica.

Ciara está ciente de que um novo cenário climático pode afetar a maneira de fazer negócios.

“Vemos que existem ciclos de seca que estão sendo renovados com grande força na América do Sul. Isso vai afetar a região, e as obras têm que atender a essas necessidades, sempre protegendo os aspectos ambientais. É por isso que enfatizamos a importância de estudos mais aprofundados e detalhados”, acrescentou Idígoras.

Alfredo Sesé, analista da Bolsa de Valores de Rosário, disse que os baixos fluxos “requerem mais cuidados com a carga, o que gera custos logísticos excedentes que são difíceis de quantificar”. Os baixos fluxos também afetam países sem acesso direto ao oceano, como o Paraguai e a Bolívia, cujo transporte fluvial é feito através do Paraná.

A navegação comercial atinge sua maior intensidade durante o outono sul, coincidindo com a partida do pico da colheita. Tanto os navios quanto as barcaças requerem águas profundas para comportar seus calados, assim como uma largura de canal generosa para uma navegação segura.

UMA ‘RODOVIA FLUVIAL’

Nesse cenário, a Argentina discute uma nova concessão para a hidrovia do Paraná. Embora o rio percorra desde sua nascente no Brasil quase 3.500 quilômetros até sua foz no Rio da Prata, o trecho sob concessão é de cerca de 1.300 quilômetros.

É um centro portuário composto por cerca de 25 terminais de grandes multinacionais, que movimentaram em 2019 cerca de 82 milhões de toneladas de grãos, farinhas e óleos, o que o torna, segundo estimativas da Bolsa de Valores de Rosário, “a base portuária agroexportadora mais importante do mundo”.

Para Alfredo Sesé, a hidrovia “tem um papel fundamental para o comércio de grãos da Argentina”, uma vez que 80% dos grãos, subprodutos e óleos são transportados através das águas do Paraná.

A concessão das obras de dragagem e manutenção da hidrovia interessa a cinco grandes grupos: a empresa chinesa Shanghai Dredging Company e quatro outras empresas de capital europeu: a belga Dredging International e Jan de Nul (atual concessionária) e a holandesa Boskalis e Van Oord.

Os investimentos devem garantir o aprofundamento de alguns trechos para permitir a entrada e saída de navios maiores com carga total. “O calado com água a nível normal é de 34 pés (dez metros) e a profundidade em passagens críticas é de 36 pés (11m). É projetado para atingir 42 pés (12m) de profundidade em áreas específicas”, disse Sesé.

Para Idigoras, ter uma “via navegável mais profunda, com maior segurança, calado mais profundo, mais estradas e melhor balizamento” tornará possível enfrentar os atuais desafios climáticos, que ele acredita estarem “aqui para ficar”.

A Argentina prorrogou a atual concessão da hidrovia até o final de julho, mas não há certeza sobre quando e como a nova licitação será lançada. De acordo com Idígoras, ela só estará pronta em abril do próximo ano. Enquanto isso, as empresas interessadas continuam a concorrer para administrar a rodovia fluvial argentina.

(Da Redação com DC)

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