Precaução: SERÁ VIÁVEL UNIR AS LUTAS POR SAÚDE DA AMÉRICA LATINA?

O Movimento pela Saúde dos Povos, uma articulação de redes e movimentos do Sul do planeta, aposta que sim. E propõe um manifesto e uma campanha, para coordenar este esforço e dar-lhe viés descolonizador. Ambos serão debatidos em detalhe numa atividade no Abrascão.

A pandemia deixou claro o fracasso dos sistemas de saúde – em especial os privados – em atender às necessidades coletivas na América Latina, região onde mais pessoas morreram de covid 19 no mundo. Será possível construir uma convergência de lutas pela saúde pública, universal e solidária no continente? Essa é a proposta ousada de uma nova campanha lançada pelo Movimento pela Saúde dos Povos (MSP), rede global de ativistas, organizações e instituições. 

Ação Popular pela Saúde e o Bem Viver terá seu lançamento no Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, o Abrascão, que ocorre em Salvador entre os dias 19 e 24 de novembro. Lá, serão organizados debates para pensar em como construir uma articulação continental – além de tentar envolver também outras entidades como o movimento negro, campesino e indígena.

Mas o lançamento é apenas o começo, e o desafio para uma campanha permanente com tal ambição não é pequeno. “É necessário que a campanha seja continuamente alimentada e que ela funcione não só como um gatilho de mobilização, mas também como um espaço de interlocução e articulação” conta ao Outra Saúde o sanitarista e ativista Leonardo Mattos, professor do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ e integrante do secretariado global do MSP. Segundo ele, um dos maiores desafios para construir uma agenda comum para a transformação dos sistemas de saúde na América Latina é, justamente, a fragmentação da discussão. 

“Romper a fragmentação não significa apagar as diferenças. A pauta da saúde tem sido discutida cada vez mais por conselhos profissionais,  sindicatos, entidades da sociedade civil, academia e também por um conjunto de movimentos sociais mais amplo. E mesmo dentro da saúde a gente tem uma diversidade de pautas muito grandes”, explica Leonardo. “Precisamos buscar uma unidade de ação e estratégias de convergência dentro dessa diversidade de visões que existem no campo da saúde.”

“Toda a América Latina foi atingida pelas propostas neoliberais dos anos 1990. O povo sofre as consequências do encolhimento dos Estados, da falta de garantias de proteção social e sanitária. Uma campanha que transforme a saúde em garantia para todos é uma necessidade exigida pelo povo”, conta Mariluz Martín, co-coordenadora do Movimento Pela Saúde dos Povos no Cone Sul. Segundo ela, o neoliberalismo e o poder das grandes corporações farmacêuticas não subjugaram apenas os povos, mas também os governos nacionais, principalmente aqueles do sul global que possuem capacidade de negociação muito inferior “diante de um mercado que gerava escassez de insumos e vacinas durante a pandemia”. 

Román Vega, Coordenador Global do Movimento de Saúde dos Povos, vai além na reflexão: “Há outro problema. Se quisermos repensar e modificar os sistemas de saúde, no caso da América Latina, teremos que entender que não há apenas conhecimento médico ocidental em matéria de saúde, que há outros conhecimentos e práticas importantes e relevantes nas condições do mundo de hoje”. Ele faz referência ao conceito de origem dos povos andinos de Bem Viver, também expresso no nome da campanha, que representa um modo de vida em que não se separam as sociedades e a natureza. 

“Há um fenômeno no mundo que poderíamos definir como uma ameaça não apenas à saúde, mas à própria vida, e não apenas à vida humana, mas a toda a vida no planeta Terra, que é a crise ecológica que estamos vivendo, e as raízes da crise ecológica são semelhantes à ocorrência de frequentes epidemias e pandemias, porque tem a ver com a destruição da natureza”, preocupa-se Román.

Para Mariluz, transformar sistemas significa trabalhar conceitos como o da soberania sanitária, que abrangem, por exemplo, políticas de produção nacional de tecnologias em saúde (insumos, medicamentos, etc) acompanhadas de acordos internacionais de solidariedade entre os países do sul global para enfrentar os interesses do norte global – onde estão as sedes da maioria das corporações farmacêuticas. 

É por meio da movimentação social que a iniciativa do Movimento pela Saúde dos Povos pretende incentivar as pessoas a participar do debate sobre saúde coletiva, com o intuito de chegar a propostas concretas e influenciar a tomada de decisões para a criação de políticas públicas na área. Mas Leonardo lembra que a campanha não é apenas intelectual. “Queremos construir forças sociais para a mudança. Então esperamos ter ações mais diretas e concretas a partir do ano que vem, além de articular o que já existe em diversos países. Aqui no Brasil, por exemplo, temos a Frente pela Vida”, argumenta.

 

(Da Redação com Outras Palavras)

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