Futuro: FORA A GUERRA, TUDO MAIS SEPARA PRESIDENCIÁVEIS EM QUESTÕES DE POLÍTICA EXTERNA

Campanhas e interlocutores de Lula e Bolsonaro indicam posições dos dois sobre alguns dos principais temas internacionais; há grandes divergências na relação com os países vizinhos.

Posições semelhantes sobre a guerra na Ucrânia, mas grandes diferenças sobre a mudança do clima e a relação com os vizinhos da América do Sul. O resultado da eleição de hoje terá implicações relevantes para a política externa brasileira, segundo um mapeamento feito com as campanhas e interlocutores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL).

Em relação ao conflito no Leste Europeu, pessoas próximas a Lula indicam que, se for eleito, o ex-presidente não deverá se distanciar da linha do governo Bolsonaro e tentará manter uma boa relação com a Rússia, devido a interesses comerciais e políticos.

Bolsonaro costuma destacar que a relação com Moscou garantiu o abastecimento de fertilizantes ao agronegócio brasileiro, enquanto a diplomacia defende uma solução negociada para o conflito no Conselho de Segurança da ONU, onde o Brasil ocupa agora uma cadeira não permanente.

— A posição brasileira é de equilíbrio, respeito ao direito internacional e defende os princípios que estão inscritos na Constituição, mas entende que a função do Conselho de Segurança da ONU é buscar uma solução e exortar as partes a um cessar-fogo. É nesse sentido que a negociação e a diplomacia têm que atuar —disse o chanceler Carlos França, que, no comando da pasta desde 2021, distanciou-se da retórica contra o “globalismo” do seu antecessor, Ernesto Araújo, e aproximou o Itamaraty de algumas de suas posições tradicionais.

Diplomacia presidencial

Na diplomacia presidencial, porém, Bolsonaro manteve a afinidade ideológica como norte. Na vizinhança, por exemplo, só foi à posse dos presidentes do Uruguai (Luis Alberto Lacalle Pou) e do Equador (Guillermo Lasso), ambos conservadores, sem prestigiar os colegas de esquerda eleitos na Argentina (Alberto Fernández), no Chile (Gabriel Boric) e na Colômbia (Gustavo Petro). Por isso, um interlocutor da equipe de Lula sublinhou que, para o ex-presidente, seria mais fácil participar de negociações para um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia, já que ele teria um maior acesso a líderes dos EUA e da Europa.

— Lula foi recebido pelo presidente da França e os primeiros-ministros da Alemanha e da Espanha — diz Cesário Melantonio, ex-embaixador no Egito e em Cuba que hoje representa o Brasil e a América Latina da Organização Europeia de Direito Público.

As divergências na América do Sul, por outro lado, não dizem respeito apenas a divisões políticas. Há um impasse envolvendo os argentinos, que abraçaram a sugestão da China de entrarem no Brics.

— O ingresso da Argentina no Brics seria tão importante para Buenos Aires como a própria criação do Mercosul, nos anos 1990 — avalia Jorge Castro, do Conselho Argentino para Relações Internacionais (Cari).

O governo Bolsonaro avalia que é cedo para discutir esse ingresso, segundo interlocutores. No entanto, para Celso Amorim, ex-chanceler de Lula, a entrada dos argentinos contribuiria para dar mais voz à América do Sul e garantir maior equilíbrio, sobretudo porque a China não é mais um país em desenvolvimento, e sim uma superpotência.

— Eu não veria problema, inclusive, da entrada de outro país africano, além da África do Sul — afirma Amorim.

Não importa quem vença, um dos desafios será recuperar a imagem do Brasil no exterior em áreas sensíveis, como o meio ambiente. Na COP27, a conferência do clima que começa no dia 6 no Egito, o principal foco do Brasil será mostrar seu potencial na oferta de energia de fontes renováveis.

— O governo quer discutir energia, setor em que o Brasil tem uma boa performance, não por causa de Bolsonaro, mas porque o país desenvolveu uma matriz energética de baixa intensidade de carbono — diz Márcio Astrini, secretário-geral do Observatório do Clima, destacando que as expectativas em relação ao Brasil no evento mudarão a depender do resultado eleitoral.

Amorim diz que o clima será uma prioridade da política externa de um eventual novo governo Lula, mas também para o desenvolvimento interno.

— O clima e a paz são os maiores desafios para a sobrevivência da Humanidade, e o Brasil deve dar sua contribuição de maneira compatível com os interesses legítimos da nossa população — afirma, defendendo não só a retomada do Fundo Amazônia, mas seu uso pelos países vizinhos.

O que dizem os candidatos e suas equipes

África

Lula tenderia a recriar sua política de integração Sul-Sul com os países africanos. Bolsonaro nunca foi à África e, segundo autoridades do continente, a região tem sido ignorada pelo atual governo.

Brics

Lula e Bolsonaro divergem sobre a ampliação do grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A equipe de Lula concorda com o ingresso da Argentina e de mais um país africano, enquanto o governo atual diz que é cedo para discutir a questão.

China

Lula promete melhorar as relações com a China, maior parceiro comercial do país, embora na campanha também tenha criticado a potência asiática por “ocupar o Brasil” e tirar o espaço da indústria nacional. Já com Bolsonaro a relação foi inicialmente conturbada e só melhorou quando o governo se aproximou dos chineses em busca de insumos para as vacinas anti-Covid.

Clima

Lula promete prioridade à questão ambiental, com o combate ao desmatamento ilegal, e deverá retomar a aplicação do R$ 1,5 bilhão doado por Alemanha e Noruega que está parado no Fundo Amazônia desde que Bolsonaro extinguiu os comitês gestores da iniciativa. Bolsonaro tem dito que quer explorar a matriz energética limpa do Brasil para melhorar a imagem do país.

Ditaduras

Lula hesita em condenar regimes autoritários de esquerda e diz pretender falar com todos os países, independentemente da ideologia ou do regime de governo. Bolsonaro cultiva laços com governos autocráticos, como os de Hungria e das monarquias árabes, mas ataca os de Venezuela, Cuba e Nicarágua.

EUA

As relações bilaterais são intensas, mas Bolsonaro se manteve afastado de Joe Biden depois de torcer pela vitória de Trump em 2020. Já os planos de Lula se aproximam da proposta de Washington de uma parceria maior na área ambiental.

Guerra na Ucrânia

Lula e Bolsonaro defendem uma solução negociada para o conflito e a manutenção de relações com Moscou, não devendo aderir às sanções impostas à Rússia pelas potências ocidentais por causa da invasão.

Israel

Lula pretende manter boas relações com Israel, mas abrirá um espaço maior para os palestinos. Bolsonaro prometeu, mas não cumpriu até o momento, transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém.

Mercosul-União Europeia

Lula diz que usará sua boa relação com os europeus para fechar em seis meses o tratado de livre comércio anunciado em 2019, mas quer renegociar trechos que considera prejudiciais à indústria nacional. Bolsonaro diz que concorda com a exigência europeia de um adendo com compromissos mais fortes no meio ambiente, mas não com a renegociação do texto.

OCDE

A equipe de Lula não demonstra pressa para a entrada do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o chamado “clube dos ricos”. Bolsonaro diz querer acelerar o ingresso pleiteado por seu governo, cumprindo as exigências em áreas como ambiente e gestão fiscal.

Unasul e Celac

Bolsonaro saiu da União de Nações Sul-Americanas e suspendeu a participação do Brasil na Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, aderindo ao Foro para o Progresso da América do Sul, uma iniciativa para isolar a Venezuela que hoje está parada. A equipe de Lula se diz a favor da revitalização da Unasul com todos os países vizinhos e do retorno à Celac. (Eliane Oliveira).

(Da Redação com O Globo – Foto: Sérgio Zalis)

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