Hoje, Tampico e seus dois municípios vizinhos, Madero e Altamira, formam uma das áreas urbanas mais seguras do México, um país que não conseguiu conter a violência perpetrada pelo crime organizado.
A crise de violência se agravou durante a transição de poder local e nacional no início de outubro. É o principal desafio do novo governo da presidente mexicana, Claudia Sheinbaum.
E a experiência de Tampico, uma cidade portuária na costa do Golfo do México, pode servir de modelo para lidar com a crise de homicídios, sequestros e extorsões que assola o país.
Na verdade, algumas das propostas de Sheinbaum estão alinhadas com com o que funcionou aqui: prevenção de crimes, coordenação entre a polícia e o Ministério Público e melhores sistemas de denúncias.
“Eles nos agarraram pelo peito. Um por um, eles começaram a nos sequestrar por um ou dois dias. Pediam dinheiro ou levavam você a um cartório que era cúmplice e te obrigavam a entregar suas propriedades.”
Embora o pior da crise já tenha passado, ele afirma, o medo persiste porque muitas das causas da criminalidade não foram resolvidas.
“Tive que entregar um barco depois que um amigo e colega foi sequestrado (eles o tiraram do seu negócio, bateram nele e ficaram com ele um dia inteiro), e disseram a ele que, no dia seguinte, iriam atrás de mim, e que se eu escapasse, eles o pegariam novamente, então eu, digamos, me entreguei.”
Esta era a situação há uma década, quando a população de Tampico chegou a impor a si mesma um toque de recolher à noite. Na época, eram registrados 30 sequestros por mês e 100 homicídios por ano. Era uma das cidades mais perigosas do país.
Mas, afinal, o que mudou, se o Estado de Tamaulipas, onde a cidade de Tampico está localizada, continua sendo um local estratégico para a criminalidade no México?
A comunidade de Tampico chegou a impor a si mesma um toque de recolher por medo da violência
Mesa-redonda sobre segurança
São 7h da manhã de uma sexta-feira de julho. Chove torrencialmente em Tampico, depois de um período de seca histórica. Generais do Exército, comandantes da polícia, promotores, reitores de universidades e empresários começam a chegar a um grande salão da Marinha: um total de 40 pessoas, que compõem a Mesa-redonda Cidadã de Segurança e Justiça da Zona Sul de Tamaulipas.
É a reunião que eles fazem todos os meses há 10 anos. Eles falam um por um. Discutem. Argumentam. E criticam.
Mas os dados que aparecem nas telas mostram uma situação invejável para qualquer cidade do México, até mesmo da América Latina: no último mês houve zero homicídios, zero sequestros e duas extorsões, números que são mais ou menos os mesmos há seis anos, e evidenciam uma história de sucesso na contenção do crime.
Luis Apperti é um dos fundadores da Mesa-redonda. Empresário há décadas do próspero setor de plásticos da região, ele uniu forças há 15 anos com outros empreendedores para combater o crime que matou dois de seus sobrinhos e sequestrou vários de seus colegas de trabalho.
Legenda da foto,Luis Apperti durante a última reunião da Mesa-redonda Cidadã de Segurança e Justiça
“Quando a sociedade civil se organizou para enfrentar o crime, percebemos que não poderíamos resolver tudo, por isso decidimos focar apenas em uma das causas do crime”, ele explica.
Esta causa, mais do que a pobreza e a falta de oportunidades, foi a corrupção.
“O nível de cooptação das autoridades pelo crime organizado era tal que não dava para denunciar, porque quando você ia denunciar, os bandidos já eram informados, e interceptavam você no caminho”, diz Apperti.
Com a ideia de interromper o vazamento de informações oficiais, a Mesa-redonda lançou seu próprio Observatório de dados de segurança, arrecadou grandes quantias de dinheiro para fortalecer a infraestrutura policial e criou, em parceria com setores das Forças Armadas, uma central de denúncias independente da habitual.
Além disso, houve o envolvimento de autoridades judiciais no processo policial, algo que não acontecia antes ou que estava sendo mediado pela corrupção.
A Mesa-redonda Cidadã de Segurança e Justiça não tem políticos — mas, sim, empresários, procuradores, generais e policiais
E com isso, segundo Apperti, eles conseguiram mudar o panorama: “Em três anos, já havíamos triplicado o número de policiais; em cinco anos, já havíamos alcançado a primeira meta de zero sequestros; e há seis anos, alcançamos a segunda meta de ser uma das cidades mais ‘seguras do país'”.
Mas como é que uma inovação metodológica, vinculada a informações confiáveis e secretas, pode evitar um sequestro ou um assassinato?
Por dois motivos, diz Apperti: “Se tiverem informação de qualidade, as autoridades judiciais e policiais podem fazer seu trabalho com eficiência; mas também, e talvez mais importante, tudo isso gerou um senso de pertencimento na comunidade em relação à Mesa-redonda; todos nós temos que trabalhar para isso, então as pessoas se tornaram ativas, começaram a denunciar, e criou-se a ideia de que não se pode ser passivo diante do crime”.
Quando a crise chegou no fundo do poço, há pouco mais de uma década, os moradores de Tampico saíram às ruas vestidos de branco para protestar. Todos os anos, eles repetiam a passeata. E com o tempo, as pessoas deixaram de viver trancadas, absortas, e passaram a desfrutar de suas praças e parques com a ideia de que o crime é um problema que deve ser resolvido por todos.
O roubo de gasolina é um crime pendente de solução em Tamaulipas — mas isso não impediu Tampico de ser uma cidade segura
Não é a pobreza, é a corrupção
Willy Zúñiga passou 20 anos se dedicando a entender e combater o crime em diferentes funções: como policial, promotor público e agora como reitor da Universidade de Segurança e Justiça de Tamaulipas, uma academia para formação de policiais, que é outra inovação da Mesa-redonda.
“É difícil explicar quão complicada era a situação”, diz ele.
“Porque não só a polícia não tinha a infraestrutura nem a mão de obra necessária para lidar com isso, como também havia uma compreensível crise de credibilidade em relação às instituições.”
E foi aí que o rigor metodológico da Mesa deixou sua marca: “As mesas redondas cidadãs nos ajudaram a recrutar psicólogos, enfermeiros e profissionais que soubessem processar a informação e gerassem confiança nos cidadãos. E isso nos permitiu ter especialização, melhores perfis policiais e coordenação institucional”.
Tanto para Apperti quanto para Zúñiga, a experiência de Tampico serve para mostrar que a violência gerada pelo crime tem soluções concretas que vão além da luta contra a pobreza ou o desemprego, premissa sob a qual o governo de Andrés Manuel López Obrador abordou a questão.
Embora Sheinbaum queira continuar com a estratégia de tratar das causas do crime, o seu plano de segurança contempla, como aconteceu em Tampico, um fortalecimento da inteligência, a criação de uma academia e melhores sistemas de denúncia e coordenação de dados.
Apperti insiste: “Prevenir o crime é um oceano muito difícil de navegar, porque depende de políticas públicas que reduzam a marginalização, a necessidade e a falta de oportunidades, e isso é algo que não podemos fazer”.
Tamaulipas, além disso, continua sendo um dos Estados mais vulneráveis à criminalidade, uma vez que está localizado na fronteira com os Estados Unidos, dentro das rotas do narcotráfico e de migração, e conta com a presença de vários grupos criminosos.
Tampico é, portanto, uma ilha no mar do crime. Uma ilha que conseguiu criar um oásis de segurança graças a uma coisa: credibilidade.
“Não somos o Estado, e não podemos acabar com o narcotráfico”, afirma Apperti.
“O que podemos fazer é criar uma estrutura institucional confiável que envolva a comunidade, que cultue as denúncias, para que as autoridades possam fazer seu trabalho.”
É por isso que a criação de uma “universidade de segurança”, a mais importante do México nesta área, é motivo de grande orgulho para os membros da Mesa-redonda.
Ou, nas palavras de Zúñiga: “Não é apenas uma academia de polícia, mas um terreno fértil para os melhores recursos humanos com bom senso, um elevado senso de humanidade e serviço à sociedade”.
E é isso, diz ele, “que permite que você possa confiar na sua polícia e assim, juntos, combater o crime”.