Desde o começo da pandemia, cientistas e profissionais de saúde são claros sobre o menor risco de transmissão da covid-19 em ambientes abertos. A Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, publicou um estudo no Jornal de Doenças Infecciosas, da Universidade de Oxford, mostrando que a transmissão em lugares ao ar livre era até 20 vezes menos provável, se comparado com locais fechados. Porém, o surgimento da variante Delta parece ter mexido com essa evidência.
“Temos documentados, de uma maneira consistente, que a transmissão acontece ao ar livre, por meio de pessoas muito próximas e por um tempo mais longo juntas, como um show ou uma festa de casamento. Um tempo mais longo junto de pessoas que estão fora do seu núcleo familiar, a doença já se espalha”, explica a infectologista Raquel Stucchi, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
A cepa que apareceu na Índia tem uma capacidade de contágio maior do que a Alfa (surgida no Reino Unido), Beta (África do Sul), Gama (Brasil) e que o SARS-CoV-2 original. De acordo com o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) do governo dos Estados Unidos, a Delta tem transmissão igual à catapora.
Raquel alerta que não é necessário estar em lugares abertos com multidão para ser infectado com a variante. “Não é necessário estar em ambiente com muitas pessoas. O primeiro relato que temos é de uma festa de casamento nos Estados Unidos. Dois casais que não se conheciam se sentaram na mesma mesa. Os convidados tinham resultado do PCR negativo. Mas, uma das pessoas dos casais começou a ter sintomas 24 horas após o casamento. Era um paciente que ainda não tinha apresentado sintomas, mas estava com covid e era a Delta. O outro casal que compartilhou a mesma mesa acabou adoecendo também”, conta a infectologista.
Que ainda acrescenta: “Os assintomáticos, os vacinados ou não-vacinados transmitem a Delta do mesmo jeito. Ela tem uma taxa de transmissibilidade muito grande.”
O Ministério da Saúde registrou oficialmente 702 casos, em 14 estados e no Distrito Federal, sendo que esses números podem estar subnotificados diante da baixa porcentagem de sequenciamento genético feito no país.
A volta das atividades normais no Brasil, associada às 7 milhões de pessoas que não retornaram para a segunda dose, segundo informações do ministro da Saúde Marcelo Queiroga, e pouco menos de 23% da população vacinada facilita ainda mais a disseminação da Delta por aqui.
“Já temos bem documentado que a eficácia da vacina contra a Delta, mesmo entre os imunizantes mais eficazes, com uma dose só é muito ruim. Já a eficácia com duas doses, 14 dias após a segunda aplicação, se aproxima à resposta encontrada contra as outras variantes”, salienta Raquel.
Diante da vulnerabilidade que a população brasileira está em relação à nova variante, o uso de máscara é ainda mais essencial. A médica sugere que seja usada a proteção mais eficiente, como a N95 e a PFF2.
“Muitas vezes, a exposição não é por lazer, é trabalho e, principalmente para quem mora nas grandes cidades, os prédios não têm janelas. Não dá para falarmos em abrir janelas para ventilar. Não tem janela para abrir, eles foram construídos para o uso de ar condicionado. A pessoa fica oito horas convivendo com outros que terão de falar, conversar. Então, é necessário uso de equipamento que apresentem maior poder de filtração. Isso nos ambientes fechados. O que vale também para bares e restaurantes. A ideia é só tirar a máscara na hora que for colocar alguma coisa na boca”, aconselha a médica da Unicamp.
A reabertura e a volta de eventos com público em várias cidades são a realidade do país. O cuidado deve ser constante. “Talvez em lugares abertos é possível usar a máscara cirúrgica. Se voltarmos a ter show, por exemplo, com muita gente, o ideal é que use máscara com maior poder de filtração também. Não tire durante o show, canta com máscara e faz tudo de máscara”, orienta Rachel.