Imagine o seguinte cenário: você está andando pelo supermercado em busca de um produto de limpeza quando encontra um que tem, na embalagem, a frase “100% sustentável”. Saber que esse produto não impacta o meio ambiente aumenta as chances de você comprá-lo? Se a resposta for sim, é importante tomar cuidado: você pode estar caindo em um greenwashing.
O termo em inglês é traduzido de diversas formas no Brasil, mas é mais comum chamá-lo de “banho verde” ou “lavagem verde”. Letícia Caroline Méo, advogada e uma das fundadoras da empresa Choice! Conexão Sustentável, define a prática como “uma imagem pública de responsabilidade socioambiental divulgada por uma determinada empresa sem que ela de fato seja uma empresa sustentável, que tenha como valor não só o crescimento econômico mas também a preservação do meio ambiente”.
Ou seja, uma empresa tem em um discurso ou coloca em uma embalagem de um produto que ela respeita o meio ambiente e tem práticas sustentáveis, mas, na prática, ainda agride o meio ambiente.
Taís Pasquotto Andreolli, professora do curso de Administração da Unifesp, explica que a prática tem se tornado mais comum conforme o interesse dos consumidores pela temática ambiental, e uma preocupação de comprar produtos que não agridam o meio ambiente, aumentaram nos últimos anos, assim como a responsabilização de empresas pelos impactos ambientais. Em geral, segundo ela, as organizações fazem o greenwashing “de forma bastante discreta”.
Os “pecados” do greenwashing
Para a professora, “considerando a prática mercadológica, o interesse lucrativo, parece que [a prática do greenwashing] é intencional”. Ela destaca que órgãos de defesa do consumidor, incluindo no Brasil, costumam alertar empresas para retirar práticas ligadas ao greenwashing, mas que ainda há resistência à mudança.
Por outro lado, ela considera que o maior inimigo para o consumidor é a falta de tempo na decisão de compra. Sem conseguir analisar o produto e procurar informações sobre sua produção, o consumidor fica mais vulnerável ao greenwashing. “Ele também pensa que a responsabilidade é da organização, se não cumpre [a prática sustentável] o problema é dela, não do consumidor, pois ele já estaria fazendo a sua parte”, pontua Andreolli.
Um levantamento da empresa TerraChoice listou os “sete pecados”, ou as sete práticas, do greenwashing. Os mais comuns, explica a professora, giram em torno de afirmações vagas e sem provas, para chamar a atenção do consumidor. Frases como “produto 100% ecológico” e “amigo do meio ambiente”, além do uso da cor verde e imagens de árvores e folhas, são muito usadas para fazer o consumidor acreditar que a empresa tem práticas sustentáveis.
Méo observa que, hoje, é praticamente impossível que uma empresa não tenha algum dano ambiental, então, é importante suspeitar de expressões ou afirmações que indiquem que uma empresa não agride o meio ambiente.
Outro “pecado” do greenwashing ocorre quando uma empresa investe para divulgar e chamar atenção para uma determinada prática sustentável para esconder outras práticas que impactam o meio ambiente. Um exemplo é quando há a divulgação de um carro que foi projetado para emitir menos gases de efeito estufa, mas não se alterou toda a cadeia produtiva desse produto, que ainda tem um grande impacto ambiental.
Além disso, as empresas também podem fazer afirmações que aparentam indicar uma preocupação ambiental, mas que, na verdade não representam nenhuma atitude mais sustentável. A professora cita como exemplo um desodorante que diz não conter gases que afetam a Camada de Ozônio, o que indica uma preocupação ambiental, mas esses gases já são proibidos por lei há décadas.
Letícia Méo aponta a importância de sempre ler o rótulo de produtos, já que ali existem informações sobre os componentes do produto e de sua embalagem que podem indicar a existência de uma preocupação ambiental. Entender o que está em um rótulo, porém, demanda tempo e conhecimento, que podem ser obtidos com pesquisas na internet, inclusive nos sites das empresas.
A última prática ligada ao greenwashing envolve o uso de selos e outras certificações de sustentabilidade que são falsas. Andreolli explica que existem diversos selos que são incluídos em embalagens e comprovam práticas sustentáveis na cadeia produtiva, ausência de testes em animais ou de determinados produtos poluentes. O problema não está no selo em si, mas sim em quem o fornece.
É comum que empresas acabem colocando seus próprios selos, mas que não tenham provas que corroborem as informações. Assim, é importante ficar atento ao que aparece na embalagem, e verificar se o selo ou certificação foram dados por organizações confiáveis. “Existem selos como o FSC, o de produto orgânico e o de eficiência energética, também conhecido como Procel”, explica a professora.
Como combater o greenwashing?
Andreolli considera que “um combate a toda a gama de falsos discursos mercadológicos” possui diversas necessidades. “Deveria ter maior responsabilização do meio organizacional, mais ceticismo do consumidor, conscientização do mercado consumidor e mais atuação de órgãos de defesa do consumidor”, opina.
Ela destaca que a própria demanda dos consumidores pela adoção de práticas sustentáveis por empresas é essencial. É comum que uma empresa denunciada por greenwashing sofra mais consequências no setor financeiro, com perdas de investidores, do que entre os consumidores, que, segundo a professora, ficam mais no discurso do que em um abandono efetivo da marca.
Além da atenção aos selos e certificados, Andreolli considera que é importante que os consumidores busquem se manter informados e pesquisem mais sobre os produtos que consumem. Os setores de higiene, cosméticos e de utilidades domésticas, por exemplo, foram identificados em uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) como os que mais realizam o greenwashing e, portanto, exigem atenção redobrada.
Para ela, o consumidor “já deve estranhar quando ver afirmações vagas e exageradas”. Vale também ficar atento a publicações em jornais e de ONGs denunciando violações de leis ambientais ou registrando práticas que não são sustentáveis.
Outra informação importante para os consumidores é que a prática de greenwashing possui punições previstas em lei. “O código de defesa do consumidor possui várias previsões aplicáveis ao greenwashing, e prevê várias consequências legais”, explica Méo.
O greenwashing enquadra-se na prática de propaganda enganosa, e em alguns casos pode representar uma propaganda abusiva, pois o consumidor acaba indo contra um valor que possui de respeito ao ambiente ao ser enganado. “Essa falha informacional também pode representar um vício do produto, ou seja, ele tem uma qualidade inferior ao que se divulgou”, observa a advogada.
Nesses casos, os consumidores podem pedir um ressarcimento do valor do produto ou uma indenização por danos materiais ou morais. Méo pontua que o greenwashing pode caracterizar uma prática abusiva, o que pode permitir que um órgão de defesa do consumidor realize ações judiciais contra uma companhia, levando a uma retirada do produto, correção da informação ou indenização coletiva aos consumidores.
Em todos os casos, porém, a ação legal depende de uma iniciativa dos consumidores, portanto, da capacidade deles de identificar o greenwashing e saber como combater essa prática.
Andreolli considera que o greenwashing vai além de um interesse financeiro das empresas. “Quando fala de maior responsabilização organizacional, é realmente uma mudança de paradigma, até a década de 1970 as empresas não tinham essa preocupação, é uma mudança de mentalidade de todo mundo da empresa, mudança de processos, é algo caro mas também difícil e que demanda tempo. Talvez na ânsia de tentar atender a essas demandas, ajeitam algo, em geral a divulgação, mas não readéquam tudo o que precisa”.
Porém, a professora considera que “algo está mudando. Os consumidores têm tido essa demanda por práticas sustentáveis, e ela está aumentando”.