O excesso dos chamados gases de efeito estufa está gerando mudanças climáticas que produzem um número maior de fenômenos meteorológicos extremos, como secas e inundações.
Descobrir como podemos reduzir nossas emissões de dióxido de carbono (CO2) e outros gases nocivos é um dos objetivos da COP26, a conferência das Nações Unidas sobre clima, que acontece na cidade escocesa de Glasgow.
Mas enquanto políticos e cientistas debatem como reduzir a queima de combustíveis fósseis e outras atividades poluentes, pouco se fala sobre outra grande fonte de gases de efeito estufa que é potencialmente muito mais perigosa para a nossa atmosfera.
Trata-se do permafrost, uma das maiores reservas de carbono do planeta.
Os cientistas estimam que cerca de 1,5 trilhão de toneladas de carbono estão armazenados no permafrost. Ou seja, o dobro do que há atualmente na atmosfera.
E a má notícia é que esse carbono está sendo liberado na atmosfera, na forma de CO2 e metano, a uma velocidade nunca vista antes na história da humanidade.
Na verdade, especialistas que estudam o permafrost afirmam que hoje ele emite mais carbono do que absorve, passando de reservatório de carbono a fonte de poluição.
E isso faz dele uma das maiores ameaças à nossa atmosfera.
Mas vamos por partes.
O que é o permafrost
É uma camada do subsolo da crosta terrestre que está permanentemente congelada — daí seu nome — em algumas das regiões mais frias do mundo.
Fica debaixo de uma camada mais fina de vegetação e terra, que os especialistas chamam de “camada ativa”, que congela quando a neve ou o gelo estão no topo e derrete quando está mais quente.
Esta camada protege o permafrost, que é composto de terra, rochas, areia e matéria orgânica (restos de plantas e animais), unidos por gelo.
É nesses restos orgânicos que é capturado o carbono que, congelado no subsolo, é inofensivo, mas se liberado em grandes quantidades pode se tornar uma das principais fontes de poluição do planeta.
Julian Murton, professor de Ciência do Permafrost na Universidade de Sussex, explicou à BBC News Mundo (serviço de notícias em espanhol da BBC), que — dependendo das condições da superfície — o carbono pode ser liberado como CO2 ou como metano, que é “30 vezes mais poderoso como gás de efeito estufa”.
Embora qualquer camada de subsolo que permaneça congelada por pelo menos dois anos já seja tecnicamente considerada permafrost, Murton observa que “grandes extensões foram criadas durante as eras glaciais.”
Este permafrost mais antigo, que tem centenas de milhares de anos, é o mais espesso e profundo, podendo se estender por até 1,5 mil metros abaixo da superfície.
Em contrapartida, o permafrost mais recente costuma ter apenas alguns centímetros de profundidade.
Localização
A maior parte está localizada no hemisfério norte, onde estima-se que quase um quarto dos solos tenham permafrost.
Ele se concentra principalmente na região do Ártico, sobretudo em partes da Rússia (Sibéria), Estados Unidos (Alasca), Canadá e Dinamarca (Groenlândia).
Além do Ártico, ele também é encontrado no planalto tibetano e em regiões de grande altitude, como as Montanhas Rochosas.
No hemisfério sul, há muito menos permafrost do que no norte, porque há mais oceano e menos terra.
Embora os cientistas suspeitem que deve haver terra congelada debaixo da enorme camada de gelo da Antártida, ela é profunda demais para se comprovar.
Sabe-se que há permafrost nas pequenas partes do continente branco onde há solo descoberto.
Também existe nas regiões austrais mais altas, como os Andes, na América do Sul, e os Alpes do Sul, na Nova Zelândia.
Um estudo publicado pelo Departamento de Geografia da Universidade de Zurique, na Suíça, estimou em 2012 que, se todas as áreas de permafrost do mundo fossem somadas, elas somariam cerca de 22 milhões de quilômetros quadrados.
Por que está liberando carbono
Basicamente porque o aquecimento global está aumentando as temperaturas em todo o planeta, mas ainda mais na área do Ártico, que está esquentando cerca de três vezes mais rápido do que o resto da Terra.
O aquecimento global também está tornando o clima do Ártico mais úmido, explica o professor Murton.
Quando o permafrost está em seu estado natural, ele atua como o refrigerador da Terra, mantendo os resíduos de carbono orgânico congelados e secos.
Assim não geram nenhum dano ao meio ambiente.
Mas, da mesma forma que os alimentos começam a apodrecer quando tiramos do freezer, à medida que o calor e as chuvas derretem essa camada congelada de terra, os micróbios começam a decompor os restos orgânicos, liberando dióxido de carbono e metano na atmosfera.
Mas o dano não termina por aí.
Os gases de efeito estufa liberados fazem com que as temperaturas aumentem ainda mais, o que, por sua vez, gera mais derretimento.
É o que os cientistas chamam de “ciclo de feedback” e isso está amplificando os danos do degelo.
Mas apesar da grande ameaça potencial representada pelo derretimento do permafrost — mesmo que apenas parte do CO2 e metano retidos fosse liberada, ainda assim isso poderia ser catastrófico —, o fato é que as projeções sobre as mudanças climáticas não levam esse fenômeno em consideração.
O motivo, explica Murton, é que é muito difícil projetar como o aquecimento global impactará essa camada subterrânea.
“O aquecimento do clima está acontecendo na atmosfera, e o permafrost é subterrâneo. Ambos são separados por uma camada complexa, que alguns chamam de amortecedor, formada por vegetação — por exemplo, tundra — neve, matéria orgânica e água”, explica.
“Essa camada amortecedora muda constantemente, dia a dia, mês a mês e ano a ano. Com as mudanças climáticas, vai mudando a vegetação, a quantidade de neve… O vínculo entre o ar e a terra é muito complexo e mutável”, completa.
Além disso, o fato de que o permafrost está localizado em algumas das partes mais remotas e frias do mundo complica seu estudo.
Nesse sentido, muitas das medições realizadas utilizam imagens de satélite que podem detectar mudanças na temperatura da superfície.
“Estamos vendo evidências de um degelo extenso do permafrost próximo à superfície”, diz o especialista britânico, embora deixe claro que a variabilidade constante torne difícil medir esta redução.
Um estudo liderado pela cientista britânica Sarah Chadburn em 2017 determinou que se a temperatura da atmosfera aumentar 2 °C em comparação com a era pré-industrial — hoje está quase 1,2 °C mais quente — 6,5 milhões de km2 de permafrost irão desaparecer, ou seja 30% do total.
Se o mundo não chegar a um acordo para deixar de liberar gases de efeito estufa, e a temperatura continuar subindo no ritmo atual, perderíamos 70%, diz a projeção.
Otimismo
Ainda assim, Murton se mostra otimista.
“Não sou um cientista especialista em carbono, mas estudei o descongelamento do permafrost como geólogo por 30 anos, e se há algo que acho óbvio nesse processo é que ele é reversível”, diz ele.
“Quando o permafrost descongela, muitas vezes se formam depressões, e o permafrost cai por uma encosta e é soterrado por sedimentos. É muito comum que essas depressões se estabilizem depois de um tempo e a vegetação cresça em cima, fazendo com que o permafrost não fique mais exposto”.
“Não acho que o ciclo de feedback seja inevitável”, acrescenta.
O especialista também destaca que o permafrost mais antigo e profundo da Terra já sobreviveu a períodos ainda mais quentes do que o atual.
“Esse permafrost espesso, velho e congelado continuará ali em 100 anos, em 500 anos e certamente mais além”, prevê.
Em relação ao “extenso” derretimento do permafrost superficial, para Murton o mais urgente não é seu efeito ambiental, mas seu impacto na vida de milhões de pessoas que vivem nessas áreas.
“Me preocupa mais o efeito na engenharia, porque essas comunidades construíram suas casas e estradas em permafrost, e o degelo dessas terras está gerando todos os tipos de problemas”, diz ele, se referindo ao colapso do solo congelado, o tem causado afundamento de terras e inundações.
“Estas mudanças estão afetando a população local muito mais do que as estimativas incertas de emissões de gases.”