E se a vida que você conhece não passasse de uma ilusão? Imagine que tudo ao seu redor seja parte de uma simulação, assim como no filme Matrix. Essa é a premissa defendida por Thomas Campbell, um pesquisador norte-americano que acredita que nossa realidade é simulada e que nossa consciência desempenha um papel fundamental na construção dessa ilusão. Saiba mais aqui.
Embora ele já tenha arrecadado quase R$1 milhão para tentar provar essa ideia, estudiosos afirmam que não há evidências científicas que a sustentem. Mas, precisa?
Hipótese defende que Universo seria similar a um videogame
Campbell propõe que vivemos em um Universo similar a um jogo de videogame, onde a realidade é “renderizada” à medida que a percebemos. Ele sugere que a nossa consciência influencia diretamente a formação dessa realidade, uma ideia que mistura conceitos da física quântica com noções espiritualistas.
No entanto, alguns especialistas destacam que essa abordagem carece de bases científicas sólidas e que Campbell combina conceitos que não deveriam ser misturados, como ciência e espiritualidade.
Em entrevista ao G1, Odylio Denys de Aguiar, doutor em física e participante da pesquisa que rendeu um Nobel em 2017, critica a noção de que o Universo “renderiza” a realidade conforme a observamos. “Pensar que o Universo renderiza a realidade e que só mostra aquilo que nós, humanos, estamos vendo é ignorar a própria ciência. Isso é desconsiderar toda a história do Universo que já conhecemos e provamos que existiu. É ignorar até as bactérias e as doenças que elas provocam porque elas são microscópicas e não as vemos”.
A ideia de que vivemos em uma simulação não é nova. Ela já circulava entre grupos nos anos 1970 e, na sua forma atual, o argumento surgiu em 2003, com a publicação de um artigo pelo filósofo sueco Nick Bostrom. Atualmente é defendida por personalidades como Elon Musk. Em mais de 50 anos, no entanto, essa suposição não evoluiu para algo que possa ser sustentado cientificamente.
Estudo diz que consciência humana é capaz de alterar a realidade
O que Campbell propõe é um experimento baseado em princípios da mecânica quântica para provar sua hipótese. Vale ressaltar que hipótese e teoria são conceitos diferentes na ciência: uma hipótese é uma suposição que ainda precisa ser testada, enquanto uma teoria é um modelo amplamente aceito e sustentado por evidências.
O experimento de Campbell pretende usar a luz para demonstrar que a consciência humana é capaz de alterar a realidade. Ele sugere que, ao ser observada, a luz se comporta como matéria (partículas), e quando não é observada, ela age como onda, “deixando de existir” na nossa realidade.
Roberto Baginski Batista, físico e membro da Sociedade Brasileira de Física, também questiona o modelo do experimento de Campbell, afirmando que ele mistura conceitos diferentes em busca de uma resposta que, ao final, não faz sentido científico. Segundo ele, os testes propostos não poderiam provar que vivemos em uma simulação, pois os resultados esperados são diferentes dos descritos por Campbell.
O que se conclui é que a hipótese de que vivemos em uma simulação, como no filme Matrix, é fascinante, mas continua sendo mais uma especulação filosófica do que uma teoria científica. Estudiosos alertam para o cuidado ao tratar tais ideias, que podem facilmente se afastar da ciência e se aproximar do misticismo.
Nem tudo é explicado pela ciência
Neurocientista pós-doutor, futurista e especialista em comportamento humano e novas tecnologias, além de colunista do Olhar Digital News, Álvaro Machado Dias concorda que, do ponto de vista científico, a ideia é pouco consistente, mas ressalta que, desde o início, o seu fundamento não é a ciência, mas a filosofia.
Existe uma historinha antiga, que o Paulo Coelho gosta de contar, na qual o mestre taoísta Chuang Tzu adormeceu embaixo de uma amoreira, onde sonhou que era uma borboleta que, como narra a letra da música, sonhou que era um sábio chinês. Era o nascimento de um dos problemas filosóficos mais discutidos da história: a despeito da percepção inequívoca que a realidade desvela-se em seus aspectos mais fundamentais aos nossos olhos, não conseguimos demonstrar que esse de fato seja o caso. Uma alternativa, iniciada por Platão e eternizada por Descartes, é que poderíamos estar simplesmente sonhando que estamos acordados.
Álvaro Machado Dias, neurocientista, futurista e especialista em comportamento humano e novas tecnologias, além de colunista do Olhar Digital News
Para Álvaro Machado Dias, neurocientista, futurista e colunista do programa Olhar Digital News, a ideia de que o nosso Universo é uma simulação não deve ser debatida no âmbito da ciência
Dias explica que o argumento da simulação não passa de uma reedição dessa ideia, por parte do futurista inglês Nick Bostrom. “Discuti-lo do ponto de vista da física é perder de vista o que está em jogo. Assim como levá-lo por demasia à sério e achar que um dia poderemos pular para fora da máquina. Como na versão original do filme ‘Tron’, de 1982. Ou seja, essa tentativa de provar o ponto não vai dar em nada, ao mesmo tempo em que a ideia de que poderemos rechaçar a hipótese da simulação como um todo tampouco logrará êxito”.
Para ele, o erro (“e a esperteza de quem converte isso em dinheiro”) em todo esse debate é assumir que esta seja uma questão científica. “Nem todas as questões no mundo são científicas. Ponto”.
Outro exemplo dado por Dias é o argumento dos zumbis de David Chalmers, que parece científico mas é inteiramente filosófico. “Até que ponto o ser humano não é simplesmente um zumbi que adquiriu uma capacidade de perceber a si mesmo, de modo que possamos dizer que a consciência é a capacidade de perceber a si mesmo? Esta não é uma questão científica, no sentido de ser resolvível a partir da aplicação dos princípios que definem a ciência. É uma questão filosófica sobre como se define a é consciência”.
Segundo o especialista, essa é uma constante na história do pensamento ocidental e oriental. “O principal problema filosófico da história é este: será que existimos a partir de uma realidade última ou será que existimos dentro de uma outra realidade que nos contém? A novidade é alguém tentando lucrar em cima”.
O que se conclui é que a hipótese de que vivemos em uma simulação, como no filme Matrix, é fascinante, mas continua sendo mais uma especulação filosófica do que uma teoria científica.