Meio Ambiente: HÁ FUTURO EM UM MUNDO SECANDO?

“Já te estranham, meu Chico. Desta vez,
encolheste demais. O cemitério
de barcos encalhados se desdobra
na lama que deixaste. O fio d’água
(ou lágrimas?) escorre
entre carcaças novas: é brinquedo
de curumins, os únicos navios
que aceitas transportar com desenfado”

(“Águas e Mágoas do Rio São Francisco”, Carlos Drummond de Andrade)

Hoje é possível dizer que se “estranha” todos os rios que correm pelo território brasileiro. Estão secando e mirrando, deixando expostos não só um prelúdio aterrador do deserto, mas dos animais que se debatem na secura e na lama. Os botos, símbolo da natureza e cultura brasileira, hoje são filmados atolando e morrendo no leito do rio Araguaia. Esse futuro aterrorizante é o único possível? Tem sentido estudar e trabalhar pensando num futuro individual de conquistas materiais, enquanto o país queima e reserva às próximas gerações um clima de deserto?

O sistema capitalista conseguiu um grande êxito ideológico de convencer que ele seria o sistema econômico mais avançado, uma espécie de último estágio de avanço da humanidade, contudo a degradação acelerada da natureza pelo Capital, as guerras e as crises econômicas vêm colocando em questão essa tese, mas ainda sem que o imaginário comunista de superação do capitalismo seja tomado pela subjetividade de massas. Mas se de fato existe uma crise subjetiva na qual a ideia de uma revolução comunista ainda parece utópica ou distante para as grande parte da população, podemos dizer que hoje a ideia de uma recomposição pacífica por dentro do capitalismo vem se apresentando cada vez mais como uma mentira. A famosa frase “é mais fácil acreditar no fim do mundo que no fim do capitalismo”, ao mesmo tempo que expressa essa crise de subjetividade, mostra por outro lado a consciência de que é o capitalismo que degrada o planeta, só se fala em fim do mundo porque de fato é perceptível que o mundo não é ilimitado frete a exploração capitalista.

A catástrofe climática criada pelo capitalismo não é um problema do futuro, mas real e atual a todas as gerações. Mas a juventude tem um papel muito importante em organizar essa luta com um conteúdo anticapitalista, radical e disruptivo. O movimento estudantil tem uma tradição de transformar pautas sociais em organização e luta, vocalizando assim um descontentamento social. No caso das queimadas e da degradação ambiental acelerada que está ocorrendo esse ano, já está claro que devem ser uma pauta de toda a população, dos trabalhadores e jovens. Contudo, o que falta para o movimento estudantil se colocar a cabeça dessa luta?

Imagens recentes do satélite Copernicus divulgadas pelo jornal G1 mostram uma mancha de fogo com mais de 500 quilômetros de extensão e mais de 400 quilômetros de largura avançando sobre a Amazônia. Só no estado do Amazonas há cerca de 10 mil focos de incêndio. Porto Velho, a capital de Rondônia, esta há dias com uma densa nuvem de fumaça fruto das queimadas e da destruição contínua das matas, o Rio Madeira, que corta o estado, atingiu o nível mais baixo da história, o Serviço Geológico do Brasil (SGB) registrou a cota de 1,02 m, superando a pior seca já registrada no ano de 2023, quando o rio atingiu a então mínima histórica de 1,10m. E essa marca deve piorar, uma vez que não há previsão de chuvas.

Segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), 16 dos estados brasileiros enfrentam a pior seca da história, desde 1944. No Amazonas o Rio Solimões também atingiu o menor nível da história, com a marca de -0,94 cm, afetando intensamente a fauna local e a população ribeirinha que depende do rio para se locomover e subsistir, várias comunidades estão ficando isoladas em meio a mata e o rio seco que aparece como um deserto no que antes era água. No último boletim do corpo de bombeiros do Estado, no dia 29 de agosto, informa que mais de 77 mil famílias já foram afetadas, cerca de 310 mil pessoas que estão sofrendo severamente com a seca. Sabendo que sem a locomoção fluvial o isolamento impede não só que chegue comida, mas também ajuda médica, acesso à educação e toda uma série de direitos elementares para a dignidade humana.

No Pantanal a imagem dos animais carbonizados, das patas e corpos queimados de espécies ameaçadas, como a onça pintada, o tamanduá bandeira, os Tuiuiús, espécie de pássaro de grande porte que com as queimadas não tem onde fazer seus ninhos, mostra um rastro terrível de destruição. Até o dia 02 de setembro a região havia perdido 2,5 milhões de hectares para o fogo, segundo a nota técnica do Maps Biomas, no primeiro semestre de 2024 as queimadas aumentaram 529% em relação a anos anteriores. O Pantanal é a maior área úmida continental do planeta, e foi o bioma brasileiro que mais secou em 2023 a superfície de água apresentou uma redução de 67% em relação a média histórica. Entre os anos de 2018 a 2023 observa-se uma ausência do pico de cheia. De 1985 a 2023, 8,9 mi de hectares foram queimados, correspondendo a 59% do Bioma, e as queimadas estão mais intensas e reincidentes desde de 2020, dificultando a recuperação do bioma e chegando a áreas que antes eram permanentemente alagadas, como o entorno do rio Paraguai. Nesse ano não houve pico de cheia e as queimadas criminosas feitas pelo agronegócio começaram antes, assim as áreas alagadas estão sumindo e se transformando em pasto, estendendo a fronteira agrícola para o lucro de fazendeiros, enquanto uma das áreas mais ricas em biodiversidade e reservatório aquífero seca.

Infelizmente seria impossível abranger toda a gama de destruição ambiental concomitante e histórica que ocorre nesse momento, e que se retroalimentam com as mudanças climáticas globais. As ondas de calor mais frequentes, que estão fazendo o Brasil ter um clima semelhante ao deserto, com regiões como no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul que chegaram à temperaturas de 42 graus e umidade abaixo dos 10%, e eventos climáticos cada vez mais extremos, vide as recentes enchentes no Rio Grande do Sul.

Esse cenário mostra como as mudanças ambientais não vem ocorrendo gradativamente, mas sim numa velocidade exponencial, por isso também não é possível apostar que uma política de reformas gradativas possa resolver. A extrema direita, como Bolsonaro, Tarcísio (Governador de São Paulo), Nunes e Pablo Marçal que disputam as eleições municipais de São Paulo, são os gestores da política de queimadas e destruição dentro da administração pública. Por isso, para construir uma força de combate à extrema direita a luta contra a devastação ambiental, precisamos ter um eixo a luta contra o agronegócio e o garimpo que acabam com as terras indígenas e a natureza. Por conseguinte dessa ideia, seria possível travar essa luta se aliando com setores da direita? Claro que não.

O Arcabouço Fiscal implementado pelo governo Lula – Alckmin vem retirando verbas de áreas sociais enquanto mantém o pagamento da dívida pública. Esse ano os servidores ambientais do IBAMA, ICMBio, MMA e SFN, entraram em greve por melhores salários e tiveram sua reivindicação negada de forma intransigente pelo governo, para manter o Arcabouço. Esse governo de frente ampla que se elegeu falando que seria a esperança contra a direita, mostra seu cinismo evidente, “uma vez que o governo Lula entusiasticamente comemora que “nunca o agronegócio recebeu um Plano Safra tão grande como agora”, destinando bilhões para financiar essa que é uma indispensável base econômica e ideológica do bolsonarismo” como explica no texto da Comissão Ambiental do MRT.

SAIBA MAIS – Contra o agronegócio e o capitalismo verde, por um plano de emergência operário e popular contra a seca e os incêndios

Por isso a independência de classes das organizações estudantis e dos sindicatos de trabalhadores é tão importante para construir um programa e organização contra a política de devastação ambiental. As entidades estudantis das principais universidades pelo país podem cumprir o papel de retomar a tradição de luta do movimento estudantil, rompendo uma lógica corporativista e rotineira, para levantar questões de interesse da juventude, da população pobre e trabalhadora. Questionar nas universidades, onde há empresas e tecnologias desenvolvidas para atender ao agronegócio e a devastação, disputando para que o conhecimento universitário esteja a serviço de reverter a destruição ambiental, de atender a população que cada vez mais sofre com problemas respiratórios, ou seja, que o conhecimento esteja a serviço dos trabalhadores e da população e não das empresas e do agronegócio.

E nesse questionamento ao papel da universidade frente a esse grande problema social e ambiental, organizar os estudantes para que sejam uma força social ativa, com manifestações e atividades que de fato combatam essa política do Agro, da extrema direita e da conciliação petista que em nada respondeu ao problema ambiental. Por isso a UNE, os DCEs e os centros acadêmicos deveriam usar sua estrutura e força para chamar assembleias e debater um plano de de luta e de questionamento ao próprio conhecimento produzido nas universidades.

Essa organização de um plano de luta para colocar os estudantes como sujeitos políticos é parte de retomar ao problema inicial do texto, como retomar uma subjetividade anticapitalista na juventude que não acredite no fim do mundo, mas sim que resgate um imaginário comunista, no qual não existe uma separação alienada e estranhada da natureza e o homem como no capitalismo, colocando fim a exploração do trabalho e a propriedade privada. Podermos colocar as riquezas naturais nas mãos de uma organização coletiva dos trabalhadores, população pobre, indígenas, trabalhadores do campo para que, de forma racional, a relação do homem com a natureza se torne harmônica. Não mais de extração e degradação, muitas vezes para futilidades dos milionários e bilionários que usam dos recursos da terra como um parque de diversão, mas sim para atender a toda a população, garantindo uma vida digna e livre.

 

 

 

 

 

(Da Redação com Esquerda Diário)

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