Coluna Caio Gottlieb: CHUMBO TROCADO NÃO DÓI

Raras vezes na história alguém cometeu tamanho despautério e desagradou tanta gente ao mesmo tempo com tão poucas palavras como fez nesta semana o presidente argentino Alberto Fernández.

Durante a recepção que ofereceu na Casa Rosada ao primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez, ele acabou expondo o secular complexo de superioridade que viceja em seu país e escancarando sua própria visão racista da colonização do continente ao dizer que “os mexicanos vieram dos índios, os brasileiros saíram da selva, mas nós, os argentinos, chegamos de barco. Eram barcos que vinham da Europa”.

O estrago foi descomunal e espalhou cacos por todos os lados: o peronista, que é muy amigo de Lula, conseguiu obscurecer a ilustre visita (a primeira de um líder europeu desde o início da pandemia), provocar a justificada ira dos brasileiros, irritar toda a América Latina e ainda errar grosseiramente ao atribuir a autoria da frase ao escritor mexicano Otavio Paz.

Na verdade, a citação insultuosa que Fernández usou em seu discurso foi tirada de uma canção do músico argentino Litto Nebbia.

Já a frase original de Paz tinha um contexto bem mais irônico: “Os mexicanos descendem dos astecas; os peruanos, dos incas; e os argentinos, dos barcos”.

O pior de tudo é que o episódio, deplorável em qualquer época e circunstância, ocorre em um momento especialmente trágico para a Argentina, que foi no início no século 20 um dos quatro países mais ricos do mundo e hoje afunda em uma interminável crise econômica que se arrasta há décadas, desde os desastrados governos de Perón, jogando na miséria metade de sua população e abalando os alicerces da soberba nacional cultivada com o mesmo fervor devotado aos tangos de Gardel.

Como era de se esperar, a redes sociais no Brasil ficaram repletas de revides furiosos ao infeliz comentário do presidente.

Um deles, aludindo de forma sarcástica à ruína financeira dos vizinhos, anunciava o melhor negócio do mês: comprar o Alberto Fernández pelo preço que ele vale e revender pelo preço que ele pensa que vale.

Mas as melhores piadas sobre a fama dos argentinos de serem presunçosos são contadas por eles próprios.

Portenho da gema, o papa Francisco disse a um grupo de visitantes no Vaticano que seus compatriotas ficaram surpresos por ele não ter escolhido “Jesus II” como seu nome pontifício.

E a um jornalista mexicano ele revelou a forma de suicídio preferida pelos argentinos: “Sobem ao topo de seu ego e se lançam dali”.

Sua Santidade conhece bem seus conterrâneos…

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