Ecologia: QUEIMAR É MENOS RUIM DO QUE INCENDIAR, A ESTRATÉGIA DO MANEJO INTEGRADO DO FOGO

Conhecimento tradicional de manejo do fogo é essencial para o controle e prevenção dos incêndios. Projeto que institui a política nacional de manejo integrado do fogo está parado no Congresso desde 2019

Aos poucos se aproxima a temida época do ano em que os incêndios se multiplicam e revezam as manchetes nos noticiários com dados assombrosos de hectares de áreas naturais consumidos pelas chamas. Antes do combate hercúleo ao fogo virar uma pauta inescapável, entretanto, há uma discussão ainda pouco feita no Brasil: a prevenção. Ironicamente, uma das melhores estratégias para prevenir é justamente a queima, que quando feita na época certa permite ter controle sobre o fogo e usá-lo de forma estratégica para eliminar o combustível presente na vegetação seca e criar barreiras contra incêndios. A queima prescrita, como é chamada esta técnica, é apenas um dos aspectos do Manejo Integrado do Fogo (MIF), abordagem ampla que promove a integração do conhecimento científico e tradicional e prevê estratégias tanto de prevenção quanto de combate ao fogo.

Na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 11.276/2018 prevê a criação de uma Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, mas enquanto a pauta segue parada no Congresso, pouco se avança nessa discussão na esfera pública. Para falar sobre o assunto, ((o))eco entrevistou a especialista Lívia Carvalho Moura, geógrafa e assessora técnica do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), que atua junto às comunidades no resgate do saber tradicional do manejo do fogo. A pesquisadora defende a importância do país investir na prevenção e no Manejo Integrado do Fogo como a estratégia mais eficaz para diminuir os incêndios e seus prejuízos, tanto ambientais quanto econômicos, e reforça que é essencial combater a desinformação que existe sobre o que é o MIF.

Confira a entrevista completa:

((o))eco: O Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) trabalha historicamente com comunidades tradicionais. Como começou a atuação da ISPN na área do Manejo Integrado do Fogo (MIF)?

Lívia Moura: O fogo nessa última década tem piorado, com mais casos catastróficos de incêndios. Isso chama a atenção das comunidades, assim como do órgão público, para essa questão que se tornou um problema, não só de prejuízo ambiental como para as propriedades privadas e para as comunidades tradicionais. Isso faz ter uma procura maior por soluções. E a situação está ficando mais crítica com as mudanças climáticas – o aumento na temperatura e a mudança no período de chuvas – e com o desmatamento. Os incêndios estão sendo agravados, especialmente pela origem criminosa, que tem muito a ver com o desmatamento, não só na Amazônia, mas no Cerrado também. As comunidades vêm percebendo isso e demandando mais apoio para poder lidar com essa situação. E foi assim que o ISPN entrou mais a fundo nessa agenda, pela demanda de organizações de base comunitária.

O uso do fogo, na época certa, para renovar pastagens ou limpar cultivos é um saber tradicional perdido em muitas comunidades. Vocês também têm trabalhado nesse sentido de resgate da tradição do manejo?

Isso. Houve uma política de fogo zero, desde o período colonial até hoje, e a maioria das áreas do território brasileiro são proibidas ou só podem fazer uso do fogo com autorização prévia, que é muito difícil conseguir. Quem faz e não tem essa autorização é multado. Então ao longo de séculos, com essas proibições e as pessoas sendo penalizadas, o costume que as comunidades tradicionais e rurais tinham de fazer uso do fogo para manejar suas terras foi se perdendo, essas técnicas de manejo e esse saber foi se perdendo. Não em todos os territórios. Especialmente nas terras indígenas, mas não em todas, houve continuidade porque eles têm uma certa autonomia para fazerem o manejo da terra.

A partir de 2014, quando começou a ser implementado, o Manejo Integrado do Fogo resgatou essa noção de que antes não havia problema com o uso do fogo, porque era manejado pelas comunidades. Com a proibição, que impediu que elas fizessem esse manejo, a situação piorou. Porque são áreas que ficam sem manejo, acumulando combustível e quando chega no final da estação seca, as origens criminosas de incêndio fazem com que essas áreas queimem – inclusive áreas desses produtores que costumavam fazer o manejo. É uma coisa cíclica que foi se agravando. E o conhecimento tradicional foi resgatado junto com o Manejo Integrado do Fogo, porque se reconhece que essas comunidades faziam esse manejo, que era adequado e que evitava a queima de áreas extensas. Eram áreas pontuais que queimavam e que protegiam outras. Isso dava certo, então a gente tinha que resgatar e voltar a usar isso como técnica para evitar os grandes incêndios. Esse é um dos aspectos do Manejo Integrado do Fogo.

 

(Da Redação Oeco)

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