Londres: REINO UNIDO PLANEJA CONTROVERSO MEMORIAL DO HOLOCAUSTO

Monumento em homenagem a judeus e outras vítimas da perseguição nazista e um centro educacional deverão abrir as portas no coração de Londres em 2025. Críticos temem que o memorial transmita a mensagem errada.

Depois de vários anos em planejamento, finalmente a luz verde foi dada: o coração de Londres abrigará um memorial do Holocausto e um centro educacional. De acordo com o governo britânico, o objetivo é criar um espaço nacional para homenagear os 6 milhões de judeus vítimas da Shoah (termo hebraico usado para o Holocausto).

Além disso, todas as outras vítimas do nazismo também serão homenageadas, incluindo membros das etnias nômades sinti e roma, homossexuais e pessoas com deficiências, segundo comunicado à imprensa por parte de autoridades londrinas.

O centro educacional afiliado também tratará de genocídios posteriores, incluindo os ocorridos em Camboja, Ruanda, Bósnia e Herzegovina e Sudão. A entrada será gratuita.

Apesar de, segundo comunicado oficial, se tratar do primeiro memorial e centro educacional sobre o Holocausto do Reino Unido, já existe um Jardim Memorial do Holocausto no Hyde Park de Londres.

MONUMENTO POLÊMICO

A construção do memorial no distrito de Westminster erou polêmica ainda na fase de planejamento. Apresentado pelo ex-primeiro-ministro conservador David Cameron em 2014, o projeto foi inicialmente rejeitado pelas autoridades locais em 2018, sob os argumentos de que a localização, no Hyde Park, é muito próxima de outros monumentos em Londres e de que não há espaço suficiente.

O governo do atual primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, conseguiu convencer as autoridades locais em 2019, mas a escolha do local também foi criticada por acadêmicos.

Cientistas de universidades britânicas rejeitaram veementemente a construção de um memorial do Holocausto próximo a edifícios do governo e do Parlamento britânico em Westminster. Eles temem que isso possa dar peso exagerado ao papel que o governo britânico da época desempenhou em salvar judeus e outras vítimas do nazismo.

Em 2018, 42 pesquisadores assinaram uma carta aberta, entre eles a renomada professora Shirli Gilbert, que pesquisa a história judaica na University College London. A carta afirmava que os estudiosos temiam que o Reino Unido fosse se retratar como uma vitoriosa nação com currículo repleto de salvamentos heroicos, o que não corresponde à pesquisa histórica.

Essa preocupação não é compartilhada por Jean-Marc Dreyfus, historiador e professor de estudos do Holocausto na Universidade de Manchester.

“O esboço do memorial é muito vago para retratar o Reino Unido como uma heroica nação salvadora”, alegou, em entrevista à DW. Mas Dreyfus considera exatamente isso como algo problemático. “O memorial não contém um símbolo da Shoah, é extremamente neutro por fora. Poderia também remeter a algo completamente diferente.”

Também não está claro a quem este memorial é dedicado: aos cidadãos judeus britânicos que fugiram para o Reino Unido; a todas as vítimas judias da Shoah ou a todos os perseguidos pelo nazismo.

Dreyfus diz acreditar que é preciso entender que há uma ligação entre o novo memorial e o Brexit. Segundo ele, as decisões – Brexit e a construção do memorial – foram tomadas no mesmo contexto, no mesmo período de tempo e foram impulsionadas por governos conservadores. “Para o governo, o memorial serve de justificativa para o Brexit, por assim dizer: ‘Vejam o que aconteceu na Europa naquela época – e da qual não fazemos mais parte’.”

O centro educacional deverá ficar abaixo do memorial do Holocausto, representado nesta imagem do projeto.

MEMÓRIA GLOBAL DO HOLOCAUSTO

Andrea Löw, professora do Centro de Estudos do Holocausto em Munique, enfatizou em conversa com a DW o quão internacional é a memória da Shoah. Existem museus, instituições educacionais e memoriais na Cidade do Cabo, em Sydney, Budapeste, Israel, Washington, na América do Sul, exemplificou. Para Löw, pode-se falar numa recordação global do Holocausto.

No momento, segundo a historiadora, o foco principal é a importância de passar da recordação ritualizada à individual. “Assim que eu conto especificamente sobre as pessoas no Holocausto e a vida que elas levavam antes, sobre seus sonhos e desejos para o futuro, sobre como reagiram à perseguição, como se comportaram, ninguém mais acha isso chato”, diz Löw.

E é por isso que os historiadores na Alemanha têm trabalhado nos últimos 20 anos cada vez mais com diários e relatos de testemunhas, aponta.

“Como historiadores, consideramos nossa tarefa levar adiante a mensagem das testemunhas que agora estão nos deixando. Por isso, tantas testemunhas falaram, e tantas pessoas que viveram em guetos alemães escreveram diários – a vontade e o desejo sempre foram que a Shoah nunca fosse esquecida”, diz.

“QUANDO O ÓDIO REINOU”

Neste contexto, o historiador Dreyfus também destaca a importância do centro educacional que será construído no Hyde Park de Londres. “Esta é uma boa notícia para a recordação da Shoah, que deve continuar”, disse.

Dreyfus espera que o centro desencadeie entre a população britânica um debate mais histórico e baseado em fatos sobre a Shoah. Este ainda não é o caso: a recordação britânica do Holocausto começou somente nas décadas de 1990 e 2000 e sempre ostentou um caráter vago, segundo Dreyfus, o que agora pode mudar.

A historiadora alemã Löw também enfatiza a grande importância dos centros educacionais complementares a memorais do Holocausto em muitos lugares.

O memorial britânico e o associado centro educacional serão construídos em Londres com base em um projeto dos escritórios de arquitetura Adjaye Associates, Ron Arad Architects e Gustafson Porter+Bowman. O início da obra está agendado para este ano, e o planejamento indica que o memorial deve ser concluído e ser aberto à visitação em 2025.

No comunicado de imprensa do governo britânico, o sobrevivente britânico do Holocausto Sir Benjamin Helfgott comentou a construção do memorial. “Estou orgulhoso por ele estar sendo erguido no coração do nosso país”, disse. “Sei que bem depois que eu e outros sobreviventes não estivermos mais aqui, o Reino Unido vai continuar se lembrando do Holocausto e aprendendo o que aconteceu quando o ódio reinou.”

(Da Redação com DW)

leave a reply