As características geográficas e climáticas do município de Capanema, no Sudoeste do Paraná, favoreceram o cultivo de cana-de-açúcar, especialmente em pequenas propriedades familiares. Ela passou a ser utilizada como insumo para a produção de melado, que ao longo de décadas de aprimoramento ficou famosa por sua doçura, cor e consistência, e caiu no gosto de quem visita a região.
O esforço dos produtores rurais para a melhoria constante fez com o melado de Capanema conquistasse, em dezembro de 2019, o selo de Indicação Geográfica (IG), ao lado de outros 12 produtos tradicionais paranaenses. Eles são o tema da série de reportagens da Agência Estadual de Notícias (AEN), que busca retratar o impacto desse reconhecimento.
Atualmente, Capanema é conhecida nacionalmente como a Terra do Melado. A produção do derivado de cana-de-açúcar em maior escala começou em meados dos anos 1980 por iniciativa de famílias de agricultores, em sua maioria descendentes de alemães, vindos do Rio Grande do Sul e que se instalaram no município, na divisa com a Argentina e vizinha do Parque Nacional do Iguaçu.
Com o passar do tempo, a atividade foi se profissionalizando e o sabor único do melado, produzido de forma totalmente orgânica no município, ganhou destaque. A IG, concedida aos produtores por meio da Associação Doce Iguassu, agregou ainda mais valor ao produto, que já é revendido em outras regiões do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, clientes em Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rondônia.
Além de ser consumido in natura, o melado é usado como adoçante natural em receitas, coberturas para sobremesas e ingredientes em produtos de confeitaria e panificação. Na cidade, é comum ver doces como rapadura, puxa-puxa, bolachas e bolos comercializados com as marcas do melado capanemense.
PADRÃO DE QUALIDADE – A produção de melado na cidade é de aproximadamente 400 toneladas por ano, mas por enquanto apenas duas famílias de produtores do município possuem o selo de Indicação Geográfica: a Haas e a Rüdell. Segundo o presidente entidade, Odair Fernando Martini, outras duas famílias estão em processo de regulamentação para poder utilizar a IG junto à Associação Doce Iguassu, que foi fundada justamente para organizar o trabalho das fábricas de melado do município e também o turismo rural.
“O melado já era produzido há décadas, mas não era muito valorizado porque faltava qualificação aos produtores”, contou. Com o apoio da Associação, do Governo do Estado, via Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná), da Prefeitura de Capanema e do Sebrae-PR, os produtores foram crescendo e se modernizando e, em 2014, iniciaram o projeto para obtenção da IG.
Para adquirir a IG, os produtores precisam seguir todas as recomendações da Vigilância Sanitária e os procedimentos de trabalho que garantem a qualidade do melado.
“Eles devem cuidar desde como é feito o manejo do solo, o plantio, limpeza, armazenamento e moagem da cana, o tipo de cozimento e o processamento do produto até chegar na embalagem. Tudo segue um padrão bem rigoroso estabelecido pela Associação”, relatou Martini.
Com a padronização e reconhecimento nacional da IG, concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), a Associação Doce Iguassu conseguiu alcançar o principal objetivo para o qual foi formada, há 17 anos. Os produtores associados tiveram um aumento de 40% no valor de venda do melado de Capanema.
“Quando fundamos a Associação, em 2006, fomos atrás de recursos para aumentar a renda dos produtores e evitar o êxodo rural, porque os jovens estavam deixando Capanema por falta de dinheiro e perspectiva e agora eles estão conseguindo prosperar”, revelou o presidente.
Na visão de Martini, todos os mais de 20 mil moradores de Capanema se beneficiam da Indicação Geográfica. “O pessoal vem por causa do melado, mas acaba comprando de outros produtores, visitando os balneários e frequentando os campings e pousadas. Isso é muito bom para a Capanema, que é uma cidade pequena, em que todos precisam se ajudar”, concluiu.
MELHORIAS – O aumento das vendas e da renda com um melado mais valorizado para o mercado permitiu aos produtores investirem em suas terras, na compra de maquinário e na melhoria das condições de trabalho e de vida. É o caso de Paulo Isidoro Rüdell, que é filho e neto de produtores rurais e dá continuidade ao legado da família, cuja fábrica existe desde 1998.
À frente dos negócios durante a obtenção da IG, Rüdell considera que a cooperação entre os produtores locais e o apoio do poder público e da iniciativa privada foram fundamentais no processo. “Trabalhamos desde o início com o apoio do IDR-Paraná e do Sebrae-PR e o maior desafio foi unir os produtores de melado, de todos entenderem que não eram apenas concorrentes, mas poderiam colaborar”, afirmou.
Uma das primeiras mudanças implementadas foi a busca por melhores variedades de cana-de-açúcar. “Começamos a utilizar variedades mais produtivas, com um brix (escala usada para aferir a concentração de açúcar) maior”, explicou o produtor e empresário.
Em um segundo momento, os Rüdell obtiveram financiamentos para investir na compra de maquinários mais modernos, que aumentaram a eficiência, reduziram o desperdício e tornaram todo o processo ambientalmente mais sustentável. “Nós mudamos do sistema convencional, que utilizava caldeiras aquecidas diretamente no fogo, para um sistema à vapor, que permite um maior controle de qualidade”, informou.
SUSTENTABILIDADE – Com uso vapor via tubulação, a fábrica consegue fazer o reaproveitamento da água utilizada, que retorna para o sistema de aquecimento externo após o uso já em temperaturas elevadas, o que reduz em cerca de 65% o uso de lenha. Além de diminuir a quantidade de lenha, os trabalhadores não têm mais contato direto com o fogo, diminuindo a temperatura e evitando a fumaça e a fuligem dentro da fábrica.
Os produtores também passaram a usar máquinas de moagem mais potentes, reduzindo para praticamente zero o desperdício do caldo da cana descartado, que anteriormente variava de 25% a 30%.
Parte dos bagaços que sobram são aplicados para enriquecimento da terra de plantio da cana e de outras culturas, enquanto o restante passa por um processo de compostagem. “O bagaço é rico em fibra e potássio, então ele é muito bom para a lavoura e o restante vira adubo para horta, nada se perde”, disse Rüdell.
Apesar dos avanços alcançados, o produtor vislumbra um futuro ainda mais promissor. “Sabemos que a qualidade do melado de Capanema é diferenciada dos outros locais e a IG trouxe essa visibilidade e a valorização do nosso produto por quem é de fora. A nossa expectativa é que, em um longo prazo, consigamos melhorar ainda mais as condições de produção e aumentar o valor agregado”, finalizou.
BATIDO OU ESCORRIDO – Com uma coloração entre o dourado e o esbranquiçado e um sabor inigualável, o melado de Capanema é produzido em dois principais tipos: o escorrido e o batido.
O melado escorrido, que está amplamente disponível em mercados das grandes cidades, é o produto obtido por meio da concentração e evaporação do líquido da garapa, aquecida até que atinja um teor de sólidos entre 65% e 75%. Ele é envasado logo após o seu resfriamento, sem ser batido, alcançando um aspecto viscoso e sem partículas sólidas.
Já o melado batido passa pelo mesmo processo de aquecimento e concentração da garapa, que é resfriada em uma espécie de batedeira industrial. O processo faz com que o melado adquira uma consistência mais pastosa e clara. Ele está diretamente ligado à história e à cultura de Capanema, sendo um produto consumido tradicionalmente pelos moradores com pão caseiro e nata.
O maquinário instalado também permite a diversificação da fabricação de subprodutos da cana-de-açúcar, especialmente o açúcar mascavo. Assim com o melado, o produto encontra boa receptividade em mercados que valorizam questões relacionadas à produção orgânica e rastreabilidade.
FEIRA DO MELADO – Desde 1990, Capanema sedia a cada dois anos a Feira do Melado. Tradicionalmente realizada no mês de agosto, recebeu cerca de 140 mil pessoas no Parque de Exposições Municipal nos cinco dias de evento durante a última edição, em 2022.
Para os mais de 250 expositores, a feira representa um potencial econômico, movimentando aproximadamente R$ 200 milhões em negócios agrícolas. Além dos empresários, a Feira do Melado conta com atrações nacionais para quem está em busca de lazer. No ano passado, nomes reconhecidos nacionalmente como Zé Neto & Cristiano, Israel & Rodolfo e Tchê Garotos passaram pelo palco.
RIO IGUAÇU – Mais recentemente, Capanema também passou a oferecer aos turistas novas opções de lazer e experiências no Rio Iguaçu. A empresa Três Fronteiras Navegação e Turismo opera desde 2022 no município com a autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Apesar do pouco tempo de operação, chega a receber até 2 mil turistas em semanas mais movimentadas, muitos dos quais também vêm em busca do melado.
“Capanema tem um potencial gigantesco para turismo que não era explorado. O ICMBio abriu essa oportunidade e a procura foi muito acima do esperado, com muitos visitantes das regiões Sudoeste e Oeste do Estado, mas também de outros lugares do Paraná, do Brasil e até de outros países”, informou o gerente Operacional da Três Fronteiras, Fabrício Junior Lisboa.
Em um passeio mais longo, de aproximadamente 50 minutos, feito aos finais de tarde de dias mais abertos, também é possível contemplar o pôr do sol no rio.
O maior atrativo é do passeio é o próprio Rio Iguaçu, que diferente da maioria nasce a apenas 100 quilômetros do Litoral, na região de Curitiba, mas segue seu fluxo para dentro do continente, desembocando nas Cataratas do Iguaçu, declaradas Patrimônio Mundial Natural pela Unesco. Apenas em Capanema, são 70 quilômetros de extensão do rio, que dividem a cidade da Unidade de Conservação.
“Além de margear o Parque Nacional do Iguaçu, os visitantes conhecem o nosso marco das fronteiras entre o Brasil e a Argentina, a entrada da antiga Estrada do Colono, que era um caminho histórico e que ajudou no desenvolvimento da região, e a Ponte Internacional Comandante Andresito, que liga os dois países”, explicou.
Para Lisboa, que é natural de Capanema, a fama do melado produzido no município contribui com o crescimento do ecoturismo e a manutenção do ecossistema local. “O selo de Indicação Geográfica do melado é muito importante para todo mundo, porque incentiva muitas pessoas a virem conhecer essa região, o que movimenta o turismo, ajudando a preservar essa riqueza natural que temos, assim como fortalece as agroindústrias, então todo mundo sai ganhando”, arrematou.