Evento: BOLSONARO ABRE ASSEMBLEIA GERAL DA ONU; BRASIL DEVE R$ 1,5 BILHÃO À ORGANIZAÇÃO

O presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL) fará nesta terça-feira (20/09) o discurso de abertura debate geral da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. O Brasil chega ao evento com uma dívida junto à ONU de US$ 306 milhões, o equivalente a R$ 1,5 bilhão. Os dados foram levantados pela entidade a pedido da BBC News Brasil. O valor não inclui eventuais dívidas do Brasil com outros organismos internacionais.

Pelas regras da ONU, se um país acumular uma dívida equivalente a dois anos ou mais em relação às suas contribuições regulares, ele pode perder o direito ao voto. O Brasil tem feito alguns pagamentos da dívida para evitar esse cenário.

A perda ao direito de voto nunca aconteceu ao Brasil desde que a organização foi criada, em 1945. Segundo a assessoria de imprensa da ONU, não há indicação de qualquer mudança no direito de voto do Brasil no momento.

Procurado, o governo brasileiro apresentou números diferentes sobre a dívida e disse que “não tem poupado esforços” para quitar a dívida do Brasil com a ONU, mas afirmou que depende de suplementação orçamentária, que depende do Executivo e do Legislativo, para sanar os débitos.

Detalhes da dívida

Pelas regras da ONU, todo estado-membro deve pagar contribuições para o funcionamento regular da entidade. Esses valores são calculados com base em critérios como o tamanho do produto interno bruto (PIB) de cada país.

O Brasil é responsável por 2% do orçamento regular da entidade. Os Estados Unidos são o país responsável pelo maior percentual: 22%.

Bandeira da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York, nos EUA, antes da 77ª sessão da Assembleia Geral da ONU, em 19 de setembro de 2022

Pelas regras da ONU, um país pode perder o direito ao voto se acumular uma dívida equivalente a dois anos ou mais

Além das contribuições regulares, os países também precisam contribuir para as missões de paz desenvolvidas pela ONU. Desde a criação da ONU, o Brasil é um dos países mais atuantes em missões de paz ao redor do mundo. Em 2004, por exemplo, ele liderou a Missão das Nações Unidas de Estabilização do Haiti (Minustah).

Segundo o levantamento feito pela ONU, dos US$ 306,7 milhões que o Brasil deve para entidade, US$ 249 milhões são relativos a dívidas do Brasil com as missões de paz da organização acumuladas em outros anos.

Outros US$ 56,4 milhões são relativos ao valor que o Brasil deveria pagar a título de contribuições regulares ao orçamento da ONU.

O resto, em torno de US$ 1 milhão, é relativo dívidas do Brasil com tribunais internacionais como os que foram criados para julgar crimes de guerra nos Balcãs e no continente africano.

A BBC News Brasil pediu à ONU a lista completa dos países devedores, mas não obteve resposta. A entidade informou, apenas, que dos 193 países-membros, 125 já teriam quitado suas contribuições regulares até setembro deste ano.

Ainda de acordo com a ONU, o valor do débito já contempla pagamentos parciais feitos pelo governo brasileiro entre os meses de maio, junho e julho deste ano.

Diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil em caráter reservado afirmam que esses pagamentos têm sido feitos há alguns anos como uma forma de evitar que o Brasil perca o direito de voto junto à Assembleia Geral da ONU.

Eles comparam essas quitações como o pagamento do crédito rotativo de um cartão de crédito no qual paga-se apenas um percentual da dívida para evitar a inadimplência.

O que o governo diz

Procurado, tanto o Itamaraty quanto o Ministério da Economia apresentaram dados diferentes sobre o valor da dívida brasileira junto à ONU.

O Itamaraty disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que o débito do Brasil com a organização é de US$ 296 milhões, cerca de US$ 10 milhões a menos que o valor apresentado pela ONU.

A pasta disse que os repasses para o pagamento das dívidas são responsabilidade do Ministério da Economia.

Bandeiras de diferentes países em frente à sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York, nos EUA, antes da 77ª sessão da Assembleia Geral da ONU, em 19 de setembro de 2022

Brasil é responsável por 2% do orçamento regular da ONU

Procurado, o Ministério da Economia apresentou um número ainda menor: US$ 232,6 milhões.

Com base nos dados enviados pela pasta, a dívida do Brasil apontada pela ONU seria maior que a registrada em setembro de 2021, que totalizava US$ 255,8 milhões. O valor, porém, seria menor que as dívidas registradas nos anos anteriores.

Em 2020, a dívida do Brasil, segundo o ministério, foi de US$ 352,1 milhões. Em 2019, foi de US$ 411,6 milhões. Em 2018, o débito era de US$ 352,1 milhões.

Dívida remonta período Dilma, apontam especialistas

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que os débitos do Brasil com a ONU começaram a se agravar durante o segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), mas dizem que a gestão da dívida é reflexo da política internacional comandada pelo presidente Bolsonaro.

“Se formos ver os dados, a gente vê que, já no final do governo Dilma, a coisa ‘desandou’. Há uma descontinuação nos pagamentos e isso foi se avolumando”, afirmou o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dawisson Belém Lopes.

Para a doutora em Relações Internacionais e professora da Escola Superior de Guerra (ESG) do Ministério da Defesa Mariana Kalil, apesar de não ser a primeira vez que o Brasil fica devendo à ONU, a atual dívida do país com a entidade precisa levar em consideração o contexto político do país.

“A diferença é o contexto. Há, sem dúvidas, a questão da pandemia, que impactou diversos países financeiramente, mas há, também, uma retórica ‘anti-globalista’ do Brasil que, ao lado da questão do atraso na contribuição financeira, coloca o compromisso do país com a ordem multilateral do pós-Segunda Guerra Mundial em xeque”, disse a professora.

O “anti-globalismo” é uma corrente ideológica marcada pelo questionamento à ordem multilateral na qual os países atuariam de forma coordenada por meio de organismos como a própria ONU. No Brasil, um dos principais defensores dessa ideologia foi o ex-ministro das Relações Exteriores do governo Bolsonaro, Ernesto Araújo.

De acordo com o Portal da Transparência, o governo reservou US$ 211 milhões para o pagamento de contribuições à ONU. Até agora, apenas US$ 33 milhões desse total havia sido gasto.

Em nota, o Ministério da Economia disse que a causa da dívida do Brasil com a ONU foi a “insuficiência de dotação orçamentária”.

Questionado sobre qual a previsão para a quitação da dívida, a pasta disse que é preciso haver “previsão suplementar à LOA (Lei Orçamentária Anual) para o equacionamento das dívidas”.

O Itamaraty, por sua vez, atribuiu a dívida a “restrições fiscais” do orçamento federal.

“As dívidas incluem valores em várias moedas, e seu pagamento, assim como as demais ações orçamentárias, está sujeito às restrições fiscais que se impõem ao orçamento federal, dentro dos montantes previstos na Lei orçamentária Anual”, disse a pasta em nota enviada à BBC News Brasil.

Ainda segundo o Itamaraty, o governo tem tentado “equacionar” a dívida junto à ONU.

“O governo brasileiro não tem poupado esforços para equacionar a situação da dívida perante as Nações Unidas, em linha com o compromisso histórico do país com o sistema multilateral e a Carta da ONU”, disse o órgão.

Bolsonaro deverá fazer o primeiro discurso de chefes de Estado do debate geral da Assembleia Geral da ONU na manhã desta terça-feira (20/9). O discurso está previsto para começar por volta das 9h. A previsão é que ele volte ao Brasil no final da tarde.

(Da Redação com BBC – com CRÉDITO,ANNA MONEYMAKER/GETTY IMAGES)

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